2016/03/30

DCCLXIII

43º Torneio Internacional de La Roda
Atletas famalicenses brilham nas 64 casas

Decorreu entre os dias 23 e 27 de março no Centro Multifuncional “La Caja Blanca”, na localidade espanhola La Roda, a 43ª edição do Torneio Internacional de La Roda que já é uma referência no calendário da Federação Espanhola de Xadrez. Este torneio bateu mais uma vez o recorde no que diz respeito ao número de participantes, mais de 300 inscritos, provenientes de 16 países (Argentina, Arménia, Brasil, Cuba, Dinamarca, Equador, Inglaterra, Israel, Itália, Paraguai, Perú, Portugal, Sérvia, Ucrânia, Venezuela e Espanha), contando com a presença de 63 jugadores titulados (16 Grandes Mestres, 8 Mestres Internacionais, 1 Mestre Internacional Feminina, 32 Mestres FIDE e 6 Mestres FIDE Feminina).
Neste evento escaquístico foi adotado o sistema suíço, disputando-se 9 sessões com ritmo de 90 minutos para cada jogador com acréscimo de 30 segundos por cada lance efetuado, com o aliciante de um prize-money no valor de 11000 euros.

Pódio absoluto do 43º Torneio Internacional de La Roda.
Parabéns!

O grande vencedor, isolado com 7,5 pontos, foi o Grande Mestre arménio Karen Grigoryan, depois de se 
viverem fortes emoções até ao final da 9ª e última sessão. O pódio absoluto foi composto pelos Grandes Mestres de Xadrez Júlio Granda Zuniga (Perú) e Manuel Perez Calendario (Espanha) que se classificaram em 2º e 3º lugares, respetivamente, a escasso meio ponto do líder.

Mestres famalicenses brilharam, mais uma vez, em "terra de nuestros hermanos"!
Parabéns!

O Clube de Xadrez A2D fez-se representar por dois atletas que já são uma referência no Xadrez Nacional, Mestre FIDE Luís Silva e Mestre Nacional Carlos Dantas, integrados na delegação portuguesa constituída por 18 jogadores. Desta forma, esta participação internacional saldou-se num enorme sucesso já que os Mestres do jovem clube famalicense foram o segundo e terceiro melhores classificados da “armada portuguesa” posicionando-se em 34º e 39º lugares, respetivamente, obtendo 6 pontos em 9 possíveis. O MN Carlos Dantas causou, ainda mais, sensação durante este Torneio já que arrecadou o 1º lugar absoluto da categoria elo Sub2200, com um ganho de 36 pontos de elo FIDE, aproximando-se de forma consistente para o almejado título de Mestre FIDE.

MN venceu o 1º Prémio Sub 2200!
Parabéns!
MN Carlos Dantas venceu na última sesssão o atual Selecionador Nacional da FPX, MF António Pereira dos Santos!
Parabéns!


MF Luís Silva consolida-se na elite nacional escaquística!
Parabéns! 

O Clube de Xadrez da Associação Académica da Didáxis gostaria de endereçar um sincero agradecimento à Cooperativa de Ensino Didáxis e à A2D-Associação Académica da Didáxis pelo apoio e patrocínio dados. Desta forma, têm contribuído para a afirmação e consolidação, tanto a nível local, como a nível nacional e até mesmo internacional, do CX A2D assumindo-se como uma referência incontornável no panorama xadrezístico.

Mais informações:
http://ajedrezlaroda.com/

A CRÓNICA DO 43º Torneio Internacional de La Roda
MF Luís Silva

Desde há dois anos para cá que tinha interesse em jogar esta prova. Ficava sempre com alguma inveja da comitiva portuguesa que se deslocava até esta cidade para participar num evento com esta magnitude, quer em número de jogadores quer em nível dos mesmos. A ideia de ir a esta edição surgiu pelo Mestre Carlos Dantas, uma pessoa com um amor indescritível pela nossa modalidade. Quanto a esta proposta fiquei desde início receptivo, o problema estava na despesa que estaria em causa. Aí, após planeamento dos custos e de uma fundamental oferta de ajuda por parte do Professor Mário Oliveira e da Escola Cooperativa de Vale São Cosme, decidi entrar nesta aventura.
Comecei a preparar a minha ida treinando no tempo que tinha livre que, infelizmente, não era muito dado que a faculdade este ano é muito exigente. Consegui fazer parte do trabalho que queria e como aos fins-de-semana andava a jogar a Liga Galega, que termina a 23 de Abril, tinha algum ritmo, mesmo que pouco, para não entrar na prova “a frio”, situação que quando me acontece não costuma ser muito boa em termos de resultados, apesar de existirem jogadores que lidam muito bem com isso.

Decidimos ir no dia antes do início do torneio, ou seja, rumamos a Albacete no dia 22 de Março. Como íamos para a comunidade autónoma de Castilla-La Mancha, região onde se passa a maioria da história de Don Quixote, encarnamos a personagem e, como verdadeiros cavaleiros prontos para este desafio, metemo-nos na estrada no nosso bem estimado cavalo que tinha a árdua tarefa de nos carregar durante uma semana e cobrir cerca de 2000km ao todo. 


Após uma das paragens para descanso o GPS recalculou o caminho e fizemos 170km extra em relação ao que era previsto. Estava planeado passar por Madrid e isso não aconteceu. Muito provavelmente o GPS calculou que o tráfego na capital espanhola seria tanto que compensaria este desvio. Nunca saberemos. O que sabemos é que fizemos paragem em Navalmoral de la Mata para jantar um maravilhoso hambúrguer (um dos melhores que já comi até hoje) no bar do Hotel Moya e, de tão maravilhoso que era, falamos dele muitas outras vezes durante aquela semana. A felicidade mantinha-se (como se pode ver na foto em baixo) apesar de muitas centenas de quilómetros já rodados.  


Após este repasto concluímos o nosso caminho até ao Hotel Sidorme em Albacete, tendo lá chegado pelas 2h do dia 23. Exaustos desta jornada por trilhos em terras de nuestros hermanos, fomos imediatamente dormir.

DIA 1
Acordamos tarde e fomos ver a zona e os serviços que tínhamos ao nosso dispor. Após isso e como faltavam algumas horas até ao jogo, aproveitamos para ver algum xadrez na sala comum do hotel. Aqui fica uma fotografia tirada pelo Dantas enquanto eu estava a rever umas das minhas análises, sentado por debaixo de uma referência a Don Quixote.



Fomos almoçar e dirigimo-nos a meio da tarde para a cidade de La Roda. Tínhamos de lá estar mais cedo para fazer a acreditação e o suficiente para evitar a confusão que iria existir caso fossemos em cima da hora limite. Com a acreditação realizada aproveitamos para apreciar a sala de jogo que nos ia acolher naquela semana. E que sala era esta! Bem organizada, bem climatizada e espaçosa o suficiente para acolher trezentas pessoas.



 Após este procedimento fomos ter com outros dois amigos que estavam alojados num hotel muito perto da sala de jogo e que nos acompanharam durante esta jornada. São eles o António Pereira dos Santos e o José Ribeiro. Nesse tempo houve um clima de troca de ideias muito interessante até que chegou a hora de irmos para a batalha. Nesta primeira jornada éramos, objetivamente, favoritos por uma margem considerável. No entanto, é obrigatório estar sempre atento e respeitar o adversário porque, se isso não acontece, geralmente, há surpresas desagradáveis. Joguei contra um jovem U16 espanhol com 1926 de ELO e decidi começar com uma ordem de lances interessante para evitar uma desagradável surpresa de abertura, uma vez que não houve tempo de preparar porque o emparceiramento saiu mesmo em cima da hora de jogo. Numa posição de semieslava o meu adversário decidiu jogar com o bispo em e7 e continuou exatamente como se faz na linha principal com o bispo em d6. No entanto, isto tem uma grave falha conceptual porque permite que eu realize um lance que na linha principal não é nada eficaz. Assim sendo, no diagrama abaixo, qual é o plano para as brancas? 



O jogo terminou rapidamente e circulei pela sala à procura do Dantas para ver como estava a sua partida. Avaliei que ele estava melhor, com posição dominante mas ainda muito tensa. Aproveitei e tirei uma fotografia ao nosso guerreiro. 


Fui ver mais uns jogos, porque apesar de ser primeira ronda, muitos deles estavam interessantes, principalmente nas mesas de topo. No tabuleiro 1 estava uma lenda viva do xadrez mundial, o Grande-Mestre peruano Júlio Granda Zúñiga. Não podia deixar escapar este momento.


Noutro tabuleiro de topo, uma cara muito familiar em terras famalicenses e em particular no nosso clube: o Grande-Mestre argentino Daniel Campora.


Após ter dado uma olhada por algumas partidas e tirado fotografias, decidi ir ver o material de xadrez que havia à venda. E, como o Campora estava a jogar, tinha de estar por lá a esposa dele com a sua montra! Aproveitei para ver o que lá havia e ainda para falar um pouco com a senhora. Voltei a ir ver a partida do Dantas, que estava a evoluir favoravelmente, e lembrei-me de também captar uma imagem da tal montra da esposa do Campora. Fica aqui um registo à distância onde se pode ver a presença do Grande-Mestre equatoriano Carlos Matamoros (com quem já tive a oportunidade de jogar e empatar no Campeonato IberoAmericano 2014, em Linares). Esta imagem denota a amizade e partilha de muitos anos que estas pessoas já vivenciaram neste mundo do xadrez.


Mais um olhar atento às várias partidas que iam terminando e de volta à mesa do Dantas. A posição estava com grande vantagem e era uma questão de tempo até o adversário sucumbir. Tal aconteceu, e após uma breve análise do jogo fomos para o nosso hotel tendo lá chegado pelas 23h aproximadamente. Fomos descansar e ainda preparar ligeiramente a segunda jornada que se realizava no dia seguinte logo pelas 10h da manhã. O Dantas ia ter uma tarefa muito difícil contra o Grande-Mestre sérvio Dusan Popovic com 2536 de ELO, já eu ainda mantinha o favoritismo tendo como adversário outro jovem espanhol mas desta vez com perto de 2100. Ambos íamos jogar de negras, ia ser complicado mas estávamos com vontade de que começasse o próximo dia.

DIA 2

Acordar cedo, rever umas últimas coisas e rumo a um dia de xadrez. Foi assim em todos os dias daqui em diante. Uma prova muito dura mas estávamos ali para aquilo e só podíamos estar felizes por usufruir desta oportunidade. Antes do grande jogo do Dantas contra o GM começar, houve ainda tempo para o registo fotográfico deste momento.




Quanto às partidas em si, a minha foi muito disputada, com erros cometidos por ambas as partes, numa posição muito aguda. No fim acabei por prevalecer. Durante o meu jogo levantei-me algumas vezes para dar uma olhada noutras mesas, em especial à do Dantas. A abertura dele decorreu como o previsto e obteve uma excelente posição. Depois quando parecia que aquilo ia encaminhar para o empate, o adversário descuidou-se na sua tentativa de puxar aquela posição e acabou por ficar perdido. Segui atentamente a última fase da partida porque já tinha terminado o meu jogo. Apesar de estar ganha havia muitos truques por parte do Grande-Mestre sérvio e nos apuros de tempo é sempre complicado converter da melhor maneira. Infelizmente o Dantas não conseguiu dar seguimento e acabou por empatar após ter perdido um dos dois peões que tinha de vantagem. Um bom resultado, uma excelente partida mas com sabor amargo pelo meio ponto que acabou por escapar.

Exaustos fomos almoçar. O nosso local de almoços passou a ser o Hotel De La Mancha onde estavam alojados os nossos outros dois companheiros aqui já referidos. Sinceramente, a comida não era muito boa, mas dificilmente se arranjaria melhor na cidade segundo o Zé Ribeiro. Tivemos a sorte deles nos disporem o quarto para ficarmos entre os jogos da manhã e da tarde para descansar um pouco e preparar o que desse (o nosso hotel ficava a quase 40km do local de jogo não compensava voltar). Para a terceira jornada eu ia jogar com o Mestre Internacional com 2549 de ELO Daniel Forcén Esteban. Um jogo dificílimo dada a qualidade do jogador e a sua juventude (apenas um ano mais velho que eu). Já o Dantas ia ter outro grande jogo contra um Grande-Mestre cubano de 2440 de ELO. Teríamos as peças brancas e fomos para o tabuleiro com atitude aguerrida. Infelizmente as coisas não acabaram por correr bem pois acabamos por perder. Quanto à minha partida rapidamente saímos da teoria numa variante Trompowsky e após um erro do meu adversário a posição estava bastante favorável para mim. Cometi um grave erro tático quando tinha uma grande vantagem e a partir daí a posição não teve retorno. Fica aqui uma fotografia, tirada pela organização da prova, logo após o lance 2.Bg5!




Quanto ao Dantas, teve uma partida equilibrada e tensa durante muitos lances onde após algumas imprecisões para ambos os lados e algumas falhas onde podia ter tomado a iniciativa, acabou por sucumbir perante o Grande-Mestre.



De volta ao hotel, desta vez mais cedo que no dia anterior, aproveitamos para descansar e preparar para a 4ª jornada. O Dantas ia repetir brancas contra um espanhol com 1966 de ELO e eu ia jogar de negras contra um jovem da mesma nacionalidade com 2058 de ELO. De novo, favoritos para alcançar a vitória, mas com uma tarefa complicada. Finalmente fomos para o merecido sono com o intuito de no dia seguinte fazermos o melhor possível.

DIA 3

A 4ª jornada correu a nosso favor. O Dantas conseguiu desde cedo impor vantagem e aproveitar as casas fracas cedidas pelo adversário, tendo terminado rapidamente (ao contrário de todos os jogos onde era dos últimos a terminar) e, assim sendo conseguiu, ineditamente, tirar uma fotografia à minha batalha, como podem ver mais abaixo. Já o meu jogo demorou um bocado mas esteve sempre pendente para o meu lado. Consegui uma posição estrutural típica de Scheveningen com algumas nuances particulares que o meu adversário não entendeu da melhor maneira, tendo assim conquistado o ponto de maneira natural.



 Seguimos o ritual do costume até à 5ª jornada onde, de novo, eramos favoritos com uma margem similar à da ronda 4. O Dantas fez um jogo muito interessante onde obteve um merecido ponto. Já o meu ficou marcado pelo facto de o meu adversário, apesar de ser uma promessa U16 espanhola com 2117 de ELO, ter jogado muito rápido numa abertura duvidosa onde ficou mal mas que, por incompetência minha, conseguiu escapar a uma derrota rápida tendo depois acabado por perder à mesma após não ter conseguido defender, devido ao pouco tempo de reflexão que despendia por lance.
Foi um dia pleno de vitórias e íamos animados para as próximas rondas.

DIA 4

À semelhança da noite do dia 1 para o dia 2 foi mais uma noite em que tive sérias dificuldades em adormecer. Aproveitei o tempo da madrugada que não conseguia pregar olho para preparar alguma coisa. O meu adversário ia ser o Grande-Mestre cubano-espanhol Orelvis Pérez Mitjans, cara familiar de um torneio no ano de 2013 em Barcelona onde consegui a minha primeira norma de Mestre Internacional. Um adversário muito duro que joga francesa e siciliana dragão acelerada. Eu e o Dantas fizemos a previsão que ele ia jogar a Francesa Winawer portanto preparei para isso. Na partida ele jogou a linha principal, algo que não tinha preparado porque nunca a tinha jogado dentro das dezenas de partidas que possuía na francesa. Assim sendo fui apanhado desprevenido e tive de pensar desde muito cedo. Lembrava-me da recomendação do Negi, no seu magnifíco livro da série de 1.e4 que após 7.Dg4 Dc7, 8.Bd3!? era um lance interessante ao invés do largamente jogado 8.Dxg7. O meu adversário reagiu com 8…c4 9.Be2 0-0 e agora 10.f4!? é a continuação sugerida (só consegui ver isto depois da partida). Tentei meter a funcionar 10.Cf3 com ideias similares à linha que surge após 7.Dg4 0-0. A posição parecia muitíssimo favorável e até mesmo o Zé Ribeiro pensou que eu estava ganho. Creio que o meu adversário também pensou o mesmo dado a larga quantidade de tempo que consumiu contra esta ideia. No entanto, quase que por milagre, ele escapa e fica num final onde possui a iniciativa. Com o pouco tempo que tinha não defendi da melhor maneira e acabei por perder. Já o nosso mestre Dantas tinha as brancas num jogo difícil contra um Mestre FIDE espanhol. Após uma abertura duvidosa por parte das negras as perspetivas eram risonhas mas, na minha opinião, após um plano desnecessário com g4, a posição tornou-se muito complicada para gerir com tão pouco tempo e, apesar de igualada, a vitória acabou por sorrir ao adversário. Foi uma manhã complicada mas, como verdadeiros lutadores que somos, queríamos que chegasse o próximo jogo para dar a volta à situação.
Acabei por jogar de negras contra um experiente espanhol de 2144 de ELO. Creio que fiz um jogo de elevada qualidade estratégica tendo defendido o ataque dele de forma muito precisa. No entanto, quando chegou a altura de colher os frutos, tive um descuido tático gravíssimo que me deu a derrota imediata. Na posição do diagrama qual a melhor continuação para as negras?




O Dantas conseguiu impor a sua natural superioridade contra um jovem U16 de 1997 de ELO numa posição que não se vê todos os dias do ponto de vista de estrutura de peões.
Assim sendo, um péssimo dia para mim, onde qualquer aspiração de fazer um torneio acima do meu nível estava desde já hipotecada, restando ganhar os dois jogos do dia seguinte para cumprir os mínimos exigidos ao meu ELO. Já quanto ao Dantas a prova estava a decorrer de boa forma e podia ser estelar caso o último dia corresse bem.

Ainda antes de irmos dormir acabamos por ir jantar perto do nosso hotel com os nossos dois fiéis companheiros que decidiram dar um salto connosco até Albacete. Tivemos um manjar estupendo num restaurante da cadeia estadunidense Foster’s Hollywood, que para mim era desconhecida mas que no fim se tornou num local de referência para comer bem (pena não haver em Portugal!).

DIA 5

A hora mudou e a ronda começava uma hora mais cedo que o costume, ou seja, menos duas horas que o habitual para descansar. Já cansados de uma longa prova e ainda com isto, mas com a mesma vontade de jogar, fizemos frente a esta adversidade. O Carlos Dantas ia jogar contra um Mestre FIDE espanhol com as peças brancas. O jogo foi bastante agudo tendo sacrificado uma peça por três peões. As negras acabaram por prevalecer até certo ponto e quando as coisas pareciam que iam acabar para o nosso mestre, ele saca de um golpe tático genial que lhe permite segurar o empate. Já a minha partida contra um espanhol de 2050 de ELO foi um final onde apesar do peão a menos tinha alguma compensação na forma de desenvolvimento e par de bispos. Consegui recuperar o peão à custa de perder o par de bispos e um dano estrutural menor mas mantendo a microvantagem de desenvolvimento. O adversário acabou por não aguentar este desequilíbrio numa posição igualada e nos apuros de tempo cometeu um grave erro.
Na ronda da tarde calhou-me um Mestre FIDE que oscila muito o ELO e naquele momento tinha 2157. Não sabia bem o que esperar da partida, mas no final acabou por ser muito mais fácil que aquilo que pensava. Segue uma breve análise à mesma em baixo.


FM Silva, Luís (2319) – FM Tudela Corbala, Carlos (2157) [A99]
43 Torneio Internacional de La Roda (9.27), 27.03.2016

1.d4 f5 2.Cf3 Cf6 3.c4 e6 [Surpreendeu-me. Estava à espera da Leninegrado.]

[3...g6 É o que habitualmente ele joga.]

4.Cc3 Be7?! [4...Bb4 É uma das desvantagens da minha ordem de lances. Mesmo assim tenho esta posição bem analisada e dá para puxar uma vantagem para as brancas.; 4...d5?! 5.Bf4! É um erro típico das negras. As brancas têm vantagem confortável após este lance. 5...c6 6.e3 Be7 7.Bd3 0–0 8.Dc2 Ce4 9.g4ƒ]

5.g3 0–0 6.Bg2 d6?! [Hoje em dia a Holandesa Clássica está a sofrer bastante e ninguém a costuma jogar. Assim sendo foi uma agradável surpresa ver o meu adversário a jogar isto.]

[6...d5 7.0–0 c6 Creio que o melhor era mesmo ter jogado uma Stonewall. O pequeno problema é o bispo em e7 uma vez que, actualmente, joga-se maioritariamente com ele em d6. No entanto, antigamente jogava-se assim e é uma alternativa aceitável às Stonewalls com o bispo em d6.]

7.0–0 a5 8.b3 De8 9.Bb2 Dh5 10.Te1 g5? [Um lance que não condiz em nada com a posição.]

[10...Ca6 11.e4 fxe4 12.Cxe4 Cxe4 13.Txe4 Bf6 14.De2± A posição é sofrível mas jogável para as negras; 10...Ce4!? 11.Dc2 Cxc3 12.Bxc3 f4 13.e3 fxg3 14.fxg3 e5 15.De4 Cd7 16.Dd5+ Rh8 17.dxe5 c6 18.De6± As brancas estão muito bem.; 10...d5 11.Ce5 c6 12.e3± As brancas têm uma excelente versão de uma estrutura Stonewall.; 10...Cc6 11.d5!? (11.e4 fxe4 (11...e5) 12.Cxe4 Cxe4 13.Txe4 Bf6 A posição continua a ser boa para as brancas mas não tão boa como na de 10...Ca6 porque aqui há a ameaça de a5–a4 obrigando a que as brancas percam um tempo a impedir essa ideia (a2–a4 ou Tb1 são lances que cumprem essa tarefa).) 11...Cd8 12.Cb5 Ce8 13.dxe6 Cxe6 14.e4±]



11.e4! g4? [11...Cxe4 12.Cxe4 fxe4 13.Txe4 Bf6 14.De2± É uma versão horrível deste tipo de estrutura para as negras. Se normalmente com o peão em g7 já é mau, com ele em g5 só pode ser pior. Dito tudo isto, continuava a ser o melhor para ele.]

12.Cd2 Cc6 13.exf5!? [O importante é abrir a posição rapidamente para aproveitar as fraquezas e falta de desenvolvimento negro.]

[13.Cd5!? Uma hipótese interessante que me escapou. 13...exd5 14.exd5 Cb4 15.Txe7 f4 As pretas têm algum contra-jogo mas deverá ser insuficiente.]

13...Cxd4? [13...Dxf5 14.Cf1± O cavalo vai para a boa casa de e3.]

14.fxe6 Df5 15.Cd5! Cxd5 16.Bxd4!+– [As pretas estão perdidas]

16...Cb4 17.Be4 Dh5 18.f4! [Um lance belo de se fazer.]

18...c5 [18...gxf3 19.Bxf3 Qf5 20.Be4 Qh3 21.Nf3+– As brancas além do material a mais têm ataque.]

19.Bc3 d5? [Termina ainda mais cedo.]

20.cxd5 [Abandonou pois: 20… Cxd5 21.Bxd5 Dxd5 22.Dxg4+]


Quanto ao Carlos Dantas, ele ia jogar contra o nosso amigo e Mestre FIDE António Pereira dos Santos. Um jogo muito complicado dado a valência do adversário. No entanto, como a vitória significava quase certamente o primeiro prémio no escalão sub-2200, o guerreiro foi à luta, e que luta foi! Segue abaixo a minha análise à partida referida e um momento fotográfico que captei.



FM Santos, António Pereira dos (2267) – NM Dantas, Carlos (2136) [A87]
La Roda (9.32), 27.03.2016

1.d4 f5 [Fiel ao seu xadrez, o mestre Carlos Dantas escolhe a Holandesa, uma abertura que o acompanha há alguns anos.]

2.g3 [Também fiel à sua maneira de ser, o nosso selecionador nacional escolhe a linha principal. Acredito que contra a Holandesa as linhas secundárias das brancas são bastante interessantes. Seguem algumas delas:]

[2.Bg5!? h6 (2...g6 3.Cc3 d5 (3...Bg7 4.h4!?) 4.e3 Bg7 5.h4!?) 3.Bf4!? (3.Bh4 g5 4.e4 Th7!?) 3...Cf6 4.e3; 2.Cc3!? d5 (2...Cf6 3.Bg5 d5 4.Bxf6) 3.Bf4!?]

2...Cf6 3.Bg2 g6 [Leninegrado! Também expectável. Uma abertura muito interessante para ser jogada. Ainda por cima com os crónicos apuros de tempo do Mestre FIDE António Pereira dos Santos torna-a uma melhor escolha dada a complexidade das posições resultantes.]

4.Cf3 Bg7 5.0–0 0–0 6.b3 [De novo a linha principal.]

6...d6 7.Bb2 c6! 8.c4 Dc7! [Na minha opinião esta é a maneira mais correta para as negras abordarem a posição, mesmo que de longe não seja a mais jogada. Tentei adoptar este esquema de brancas mas, após ter que analisar o que fazer contra esta maneira das negras jogarem, decidi desistir. Além disso, o pedigree desta variante é elevadíssimo uma vez que vários jogadores de top (de realçar o nome Nakamura) decidiram jogar assim contra 6.b3.]

9.Cbd2 Te8! [Continuando com a ideia.]

10.Dc2 Ca6! [Desenvolvendo com ameaça.]

11.a3 [11.e4 Esta é a alternativa. 11...fxe4

a) 11...e5?! 12.c5! Cxe4 (12...dxc5 13.dxe5 Cg4 14.Tad1ƒ) 13.Cxe4 fxe4 14.cxd6 Dxd6 15.Cxe5 Cb4 16.De2 Bf5 17.Bxe4 Bxe4 18.Dxe4 Tad8 19.f4;

b) 11...Cb4; 12.Cxe4 Bf5 13.Cxf6+ exf6 14.Dd2 Be4=; 11.c5 dxc5 12.dxc5 e5 13.e4 De7 14.Tac1 fxe4 15.Cg5 e3 16.fxe3 Cd5„]

11...e5= [As negras igualaram.]

12.c5! [Único lance que mantém o jogo equilibrado.]

12...e4! 13.cxd6 Dxd6 14.Ce5 Be6 [A posição das negras é muito saudável. Têm excelente domínio central das casas brancas. A partir daqui vamos assistir a uma grande luta estratégica entre ambos os jogadores.]

15.f3!? [Um lance interessante. As brancas tentam expor as possíveis fragilidades causadas pela estrutura espaçosa das negras e disputar algum controlo das casas brancas.]

15...exf3 16.Bxf3?! [Considero duvidoso capturar com peça em f3. É praticamente impossível jogar e2–e4 e as casas d5–e4 são agora um paraíso para as negras. Ou seja, desde que as negras lutem por elas e impeçam as brancas de abrir a posição, terão boas chances de vantagem.]

[16.exf3 Na minha ótica o lance mais natural para dar seguimento a 15.f3. 16...f4 As negras têm excelente posição. As brancas vão lutar nas fraquezas da coluna "e" enquanto as negras vão fixar o seu domínio central. Por exemplo. 17.Cdc4 Df8 18.Tfe1 Cd5 19.Te2 Tad8 20.Tae1 Bf5 21.Dc1 Cac7 As peças pretas estão muito bem colocadas e podem começar a pensar em jogar c5 abrindo a posição quando lhes for favorável.]



16...Bd5! [Seguindo a estratégia restritiva central.]

17.Cdc4 De6 [A casa ideal para a dama. Na coluna "e" não enfrenta qualquer ameaça e ainda coloca pressão indireta no peão b3.]

18.Tae1 Tac8?! [Não compromete mas está ligado a um plano erróneo, no meu ponto de vista (pelo menos para já).]

[18...Tad8 19.Cd3 De7 20.Cce5 Cc7³ Eu primeiro colocava as minhas peças todas no centro e quando tivessem todas melhoradas é que pensaria em abrir o centro.]

19.b4?! [Enfraquece ainda mais a já débil construção nas casas brancas. O plano das brancas deveria ter passado por colocar um cavalo em d3 ameaçando Cf4, e depois colocar o de c4 em e5, ou seja, colocando os dois cavalos em excelentes posições.]

[19.Cd3 De7 20.Cce5 Cc7 21.Cc5 Ce6 22.e4 Cxe4 23.Cxe4 Bxe5 24.dxe5 Bxe4 25.Bxe4 fxe4 26.Txe4 Tcd8³ A posição das negras é favorável mas as brancas têm contrajogo latente nas casas negras a qualquer momento de descuido por parte do Dantas.]

19...b6? [Continua a insistir na ideia. Melhor teria sido voltar ao plano de controlo das casas brancas com a condição de que agora as brancas ainda estão piores nesse complexo de cores.]

[19...Cc7! 20.Ca5 (20.Cd3?? Já passa a ser uma lance impossível, logo a construção ideal para os cavalos brancos não poderá ser conseguida. 20...Bxc4–+) 20...Tb8³ E agora é difícil continuar de brancas.]

20.Ce3! [Excelente lance que aproveita o erro das negras.]

20...Cb8 [Levando o cavalo para a melhor casa em d7 onde entrará em disputa com o cavalo e5 e apoiará a ideia do c6–c5.]

21.Dd3 [21.Cxd5 cxd5 22.Da4 a6 23.b5= Creio que teria sido uma boa maneira de jogar para as brancas tentando obter contrajogo o mais rapidamente possível antes que as negras tomem de novo o controlo das operações.]

21...Tc7?! [Insistindo na rutura c6–c5.]

[21...Cbd7 22.Cxd5 cxd5 23.Tc1 Ce4³ E não é claro como as brancas vão resolver o problema da casa e5.]

22.Cg2 [22.g4!ƒ Aproveitando a descoordenação das peças negras causadas pela tentativa bruta de jogar c6–c5. Com a futura captura do bispo em d5 as negras terão problemas estruturais no complexo de casas brancas da ala de rei.]

22...Cbd7 23.Cf4 Dd6 24.Tc1 Tec8? [24...Ce4 25.Cxd5 Dxd5 26.Tfd1= O jogo está de novo igualado; 24...Bh6!? 25.Cxd5 Cxd5= Era uma maneira interessante de forçar os acontecimentos centrais e dar estabilidade.]

25.Tc2? [25.Cxd5! cxd5 (25...Cxd5? 26.e4± As brancas abrem a posição e a situação das negras é agora muito precária. Perdem qualquer tipo de controlo central e sem o bispo de casas brancas vai ser difícil de parar a ofensiva nas casas dessa cor.) 26.Da6 De novo atacando o complexo de casas fracas brancas (curioso que no início do meio jogo eram as negras que dominavam estas casas! - este tipo de reviravolta é um tema estratégico muito recorrente: quando esse controlo é feito por peças e peões à distância, caso se perca, o lado que detinha inferioridade nessas casas vai conseguir efetuar ruturas que lhes dará presença nas mesmas e geralmente com maior efeito.]

25...Ce4! [Estabilizando!]

26.Cc4 [26.Tfc1 Bh6 27.e3 Bxf4 28.exf4 Cef6 29.Cc4 De6 30.Bxd5 Cxd5=]

26...De7 27.Ce3 Cdf6 28.Tfc1? [28.Cfxd5 Cxd5 29.Bg2 De6 30.Tfc1 Bh6 31.Cxd5 Dxd5 32.e3 Te7=]

28...Bh6!³ [Tarde mas, com as imprecisões das brancas, ainda a tempo! As pretas perceberam o conceito da posição e estão de novo por cima.]

29.b5 Bxf4 30.gxf4 Dd6! [A posição das brancas tem várias fraquezas estruturais para ser boa.]

31.bxc6 Txc6? [31...Dxf4 32.Cxd5 Cxd5 33.Bxe4 fxe4 34.Dg3 Dxg3+ 35.hxg3 Rf7µ Denotaria o domínio das pretas. O bispo de b2 é impotente.]

32.Cxd5 Dxd5 33.Txc6 Txc6 34.Txc6 Dxc6³ [O nosso mestre conseguiu uma boa posição no final destas trocas todas. Até aqui um jogo muito complexo com vários erros de parte a parte numa partida muito intensa estrategicamente. Agora chega outra fase do jogo onde se nota que o ascendente claramente só pode pertencer às negras.]

35.Rg2 Dd5?! [35...Rf7 36.e3 b5 As negras podiam vincar todo o controlo que possuem nas casas brancas em vez de ceder o domínio da única coluna aberta.]

36.Dc2! Dd7 37.d5? [Uma escolha interessante do ponto de vista estético uma vez que dá mais visão aos bispos. No entanto, objetivamente, é errada com defesa precisa das negras.]

[37.Rg1 Rf7³]

37...Cxd5µ 38.Bxe4?? [Um blunder nos apuros de tempo mas a posição já era muito difícil.]

[38.Db3 De6 As negras defendem tudo.]

38...Ce3+–+ [O coroar de uma excelente prova por parte do Mestre Nacional Carlos Dantas. Uma partida realmente interessante pela luta estratégica que representou.]

0–1


No fim desta partida, o Dantas estava bastante empolgado e só queria ir arejar. Um jogo de nervos e que significava um regresso às excelentes provas! Melhor ficou quando se soube que ele tinha ganho o prémio sub-2200! Era um homem muito feliz como se pode ver.


O grande vencedor da prova foi o grande-mestre arménio Karen Grigoryan com 7,5 pontos em 9. O restante pódio foi composto pelos grandes-mestres Julio Granda e Manuel Candelario com 7 pontos. 


E aqui fica o registo da entrega do prémio ao nosso mestre.


No fim de tudo, foi uma experiência positiva marcada pelo intenso xadrez que vivemos no dia-a-dia e pela partilha e amizade que foram marca vincada nessa semana.


Era impossível terminar esta crónica sem agradecer ao Professor Mário Oliveira e à Associação Académica da Didáxis , bem como, à Cooperativa de Ensino Didáxis pelo apoio prestado pois, sem ele, esta nossa ida ao torneio não se teria concretizado.