DCCLXIII
43º Torneio Internacional de La Roda
Atletas famalicenses brilham nas 64 casas
Decorreu
entre os dias 23 e 27 de março no Centro Multifuncional “La Caja Blanca”, na
localidade espanhola La Roda, a 43ª edição do Torneio Internacional de La Roda
que já é uma referência no calendário da Federação Espanhola de Xadrez. Este
torneio bateu mais uma vez o recorde no que diz respeito ao número de
participantes, mais de 300 inscritos, provenientes de 16 países (Argentina,
Arménia, Brasil, Cuba, Dinamarca, Equador, Inglaterra, Israel, Itália,
Paraguai, Perú, Portugal, Sérvia, Ucrânia, Venezuela e Espanha), contando com a
presença de 63 jugadores titulados (16 Grandes Mestres, 8 Mestres
Internacionais, 1 Mestre Internacional Feminina, 32 Mestres FIDE e 6 Mestres
FIDE Feminina).
Neste evento escaquístico
foi adotado o sistema suíço, disputando-se 9 sessões com ritmo de 90 minutos
para cada jogador com acréscimo de 30 segundos por cada lance efetuado, com o
aliciante de um prize-money no valor de 11000 euros.
Pódio absoluto do 43º Torneio Internacional de La Roda.
Parabéns!
O
grande vencedor, isolado com 7,5 pontos, foi o Grande Mestre arménio Karen Grigoryan,
depois de se
viverem fortes emoções até ao final da 9ª e última sessão. O pódio absoluto foi composto pelos Grandes Mestres de Xadrez Júlio Granda Zuniga (Perú) e Manuel Perez Calendario (Espanha) que se classificaram em 2º e 3º lugares, respetivamente, a escasso meio ponto do líder.
Mestres famalicenses brilharam, mais uma vez, em "terra de nuestros hermanos"!
Parabéns!
O Clube
de Xadrez A2D fez-se representar por dois atletas que já são uma referência no
Xadrez Nacional, Mestre FIDE Luís Silva e Mestre Nacional Carlos Dantas,
integrados na delegação portuguesa constituída por 18 jogadores. Desta forma, esta participação internacional
saldou-se num enorme sucesso já que os Mestres do jovem clube famalicense foram
o segundo e terceiro melhores classificados da “armada portuguesa” posicionando-se
em 34º e 39º lugares, respetivamente, obtendo 6 pontos em 9 possíveis. O MN
Carlos Dantas causou, ainda mais, sensação durante este Torneio já que
arrecadou o 1º lugar absoluto da categoria elo Sub2200, com um ganho
de 36 pontos de elo FIDE, aproximando-se de forma consistente para o almejado
título de Mestre FIDE.
MN venceu o 1º Prémio Sub 2200!
Parabéns!
MN Carlos Dantas venceu na última sesssão o atual Selecionador Nacional da FPX, MF António Pereira dos Santos!
Parabéns!
MF Luís Silva consolida-se na elite nacional escaquística!
Parabéns!
O
Clube de Xadrez da Associação Académica da Didáxis gostaria de endereçar um
sincero agradecimento à Cooperativa de Ensino Didáxis e à A2D-Associação
Académica da Didáxis pelo apoio e patrocínio dados. Desta forma, têm contribuído
para a afirmação e consolidação, tanto a nível local, como a nível nacional e
até mesmo internacional, do CX A2D assumindo-se como uma referência
incontornável no panorama xadrezístico.
Mais
informações:
http://ajedrezlaroda.com/
A CRÓNICA DO 43º Torneio Internacional de La Roda
A CRÓNICA DO 43º Torneio Internacional de La Roda
MF Luís Silva
Desde há dois anos para cá que tinha interesse em
jogar esta prova. Ficava sempre com alguma inveja da comitiva portuguesa que se
deslocava até esta cidade para participar num evento com esta magnitude, quer
em número de jogadores quer em nível dos mesmos. A ideia de ir a esta edição
surgiu pelo Mestre Carlos Dantas, uma pessoa com um amor indescritível pela
nossa modalidade. Quanto a esta proposta fiquei desde início receptivo, o
problema estava na despesa que estaria em causa. Aí, após planeamento dos custos
e de uma fundamental oferta de ajuda por parte do Professor Mário Oliveira e da
Escola Cooperativa de Vale São Cosme, decidi entrar nesta aventura.
Comecei a preparar a minha ida treinando no tempo
que tinha livre que, infelizmente, não era muito dado que a faculdade este ano
é muito exigente. Consegui fazer parte do trabalho que queria e como aos
fins-de-semana andava a jogar a Liga Galega, que termina a 23 de Abril, tinha
algum ritmo, mesmo que pouco, para não entrar na prova “a frio”, situação que
quando me acontece não costuma ser muito boa em termos de resultados, apesar de
existirem jogadores que lidam muito bem com isso.
Decidimos ir no dia antes do início do torneio, ou
seja, rumamos a Albacete no dia 22 de Março. Como íamos para a comunidade
autónoma de Castilla-La Mancha, região onde se passa a maioria da história de
Don Quixote, encarnamos a personagem e, como verdadeiros cavaleiros prontos
para este desafio, metemo-nos na estrada no nosso bem estimado cavalo que tinha
a árdua tarefa de nos carregar durante uma semana e cobrir cerca de 2000km ao
todo.
Após uma das paragens para descanso o GPS recalculou
o caminho e fizemos 170km extra em relação ao que era previsto. Estava planeado
passar por Madrid e isso não aconteceu. Muito provavelmente o GPS calculou que
o tráfego na capital espanhola seria tanto que compensaria este desvio. Nunca
saberemos. O que sabemos é que fizemos paragem em Navalmoral de la Mata para
jantar um maravilhoso hambúrguer (um dos melhores que já comi até hoje) no bar
do Hotel Moya e, de tão maravilhoso que era, falamos dele muitas outras vezes
durante aquela semana. A felicidade mantinha-se (como se pode ver na foto em
baixo) apesar de muitas centenas de quilómetros já rodados.
Após este repasto concluímos o nosso caminho até ao
Hotel Sidorme em Albacete, tendo lá chegado pelas 2h do dia 23. Exaustos desta
jornada por trilhos em terras de nuestros hermanos, fomos imediatamente dormir.
DIA 1
Acordamos tarde e fomos ver a zona e os serviços que
tínhamos ao nosso dispor. Após isso e como faltavam algumas horas até ao jogo, aproveitamos
para ver algum xadrez na sala comum do hotel. Aqui fica uma fotografia tirada
pelo Dantas enquanto eu estava a rever umas das minhas análises, sentado por
debaixo de uma referência a Don Quixote.
Fomos almoçar e dirigimo-nos a meio da tarde para a
cidade de La Roda. Tínhamos de lá estar mais cedo para fazer a acreditação e o
suficiente para evitar a confusão que iria existir caso fossemos em cima da
hora limite. Com a acreditação realizada aproveitamos para apreciar a sala de
jogo que nos ia acolher naquela semana. E que sala era esta! Bem organizada,
bem climatizada e espaçosa o suficiente para acolher trezentas pessoas.
Após este procedimento fomos ter com outros dois amigos que estavam
alojados num hotel muito perto da sala de jogo e que nos acompanharam durante
esta jornada. São eles o António Pereira dos Santos e o José Ribeiro. Nesse
tempo houve um clima de troca de ideias muito interessante até que chegou a
hora de irmos para a batalha. Nesta primeira jornada éramos, objetivamente,
favoritos por uma margem considerável. No entanto, é obrigatório estar sempre
atento e respeitar o adversário porque, se isso não acontece, geralmente, há
surpresas desagradáveis. Joguei contra um jovem U16 espanhol com 1926 de ELO e
decidi começar com uma ordem de lances interessante para evitar uma
desagradável surpresa de abertura, uma vez que não houve tempo de preparar
porque o emparceiramento saiu mesmo em cima da hora de jogo. Numa posição de
semieslava o meu adversário decidiu jogar com o bispo em e7 e continuou
exatamente como se faz na linha principal com o bispo em d6. No entanto, isto
tem uma grave falha conceptual porque permite que eu realize um lance que na
linha principal não é nada eficaz. Assim sendo, no diagrama abaixo, qual é o
plano para as brancas?
O jogo terminou rapidamente e circulei pela
sala à procura do Dantas para ver como estava a sua partida. Avaliei que ele
estava melhor, com posição dominante mas ainda muito tensa. Aproveitei e tirei
uma fotografia ao nosso guerreiro.
Fui ver mais uns jogos, porque apesar de ser
primeira ronda, muitos deles estavam interessantes, principalmente nas mesas de
topo. No tabuleiro 1 estava uma lenda viva do xadrez mundial, o Grande-Mestre
peruano Júlio Granda Zúñiga. Não podia deixar escapar este momento.
Noutro tabuleiro de topo, uma cara muito
familiar em terras famalicenses e em particular no nosso clube: o Grande-Mestre
argentino Daniel Campora.
Após ter dado uma olhada por algumas partidas
e tirado fotografias, decidi ir ver o material de xadrez que havia à venda. E,
como o Campora estava a jogar, tinha de estar por lá a esposa dele com a sua
montra! Aproveitei para ver o que lá havia e ainda para falar um pouco com a
senhora. Voltei a ir ver a partida do Dantas, que estava a evoluir favoravelmente,
e lembrei-me de também captar uma imagem da tal montra da esposa do Campora.
Fica aqui um registo à distância onde se pode ver a presença do Grande-Mestre
equatoriano Carlos Matamoros (com quem já tive a oportunidade de jogar e
empatar no Campeonato IberoAmericano 2014, em Linares). Esta imagem denota a
amizade e partilha de muitos anos que estas pessoas já vivenciaram neste mundo
do xadrez.
Mais um olhar atento às várias partidas que
iam terminando e de volta à mesa do Dantas. A posição estava com grande
vantagem e era uma questão de tempo até o adversário sucumbir. Tal aconteceu, e
após uma breve análise do jogo fomos para o nosso hotel tendo lá chegado pelas
23h aproximadamente. Fomos descansar e ainda preparar ligeiramente a segunda
jornada que se realizava no dia seguinte logo pelas 10h da manhã. O Dantas ia
ter uma tarefa muito difícil contra o Grande-Mestre sérvio Dusan Popovic com
2536 de ELO, já eu ainda mantinha o favoritismo tendo como adversário outro
jovem espanhol mas desta vez com perto de 2100. Ambos íamos jogar de negras, ia
ser complicado mas estávamos com vontade de que começasse o próximo dia.
DIA 2
Acordar cedo, rever umas últimas coisas e rumo
a um dia de xadrez. Foi assim em todos os dias daqui em diante. Uma prova muito
dura mas estávamos ali para aquilo e só podíamos estar felizes por usufruir desta
oportunidade. Antes do grande jogo do Dantas contra o GM começar, houve ainda
tempo para o registo fotográfico deste momento.
Quanto às partidas em si, a minha foi muito
disputada, com erros cometidos por ambas as partes, numa posição muito aguda.
No fim acabei por prevalecer. Durante o meu jogo levantei-me algumas vezes para
dar uma olhada noutras mesas, em especial à do Dantas. A abertura dele decorreu
como o previsto e obteve uma excelente posição. Depois quando parecia que
aquilo ia encaminhar para o empate, o adversário descuidou-se na sua tentativa
de puxar aquela posição e acabou por ficar perdido. Segui atentamente a última
fase da partida porque já tinha terminado o meu jogo. Apesar de estar ganha
havia muitos truques por parte do Grande-Mestre sérvio e nos apuros de tempo é
sempre complicado converter da melhor maneira. Infelizmente o Dantas não
conseguiu dar seguimento e acabou por empatar após ter perdido um dos dois peões
que tinha de vantagem. Um bom resultado, uma excelente partida mas com sabor
amargo pelo meio ponto que acabou por escapar.
Exaustos fomos almoçar. O nosso local de
almoços passou a ser o Hotel De La Mancha onde estavam alojados os nossos
outros dois companheiros aqui já referidos. Sinceramente, a comida não era
muito boa, mas dificilmente se arranjaria melhor na cidade segundo o Zé
Ribeiro. Tivemos a sorte deles nos disporem o quarto para ficarmos entre os
jogos da manhã e da tarde para descansar um pouco e preparar o que desse (o
nosso hotel ficava a quase 40km do local de jogo não compensava voltar). Para a
terceira jornada eu ia jogar com o Mestre Internacional com 2549 de ELO Daniel
Forcén Esteban. Um jogo dificílimo dada a qualidade do jogador e a sua
juventude (apenas um ano mais velho que eu). Já o Dantas ia ter outro grande
jogo contra um Grande-Mestre cubano de 2440 de ELO. Teríamos as peças brancas e
fomos para o tabuleiro com atitude aguerrida. Infelizmente as coisas não
acabaram por correr bem pois acabamos por perder. Quanto à minha partida
rapidamente saímos da teoria numa variante Trompowsky e após um erro do meu
adversário a posição estava bastante favorável para mim. Cometi um grave erro
tático quando tinha uma grande vantagem e a partir daí a posição não teve
retorno. Fica aqui uma fotografia, tirada pela organização da prova, logo após
o lance 2.Bg5!
Quanto ao Dantas, teve uma partida equilibrada
e tensa durante muitos lances onde após algumas imprecisões para ambos os lados
e algumas falhas onde podia ter tomado a iniciativa, acabou por sucumbir
perante o Grande-Mestre.
De volta ao hotel, desta vez mais cedo que no
dia anterior, aproveitamos para descansar e preparar para a 4ª jornada. O
Dantas ia repetir brancas contra um espanhol com 1966 de ELO e eu ia jogar de
negras contra um jovem da mesma nacionalidade com 2058 de ELO. De novo, favoritos
para alcançar a vitória, mas com uma tarefa complicada. Finalmente fomos para o
merecido sono com o intuito de no dia seguinte fazermos o melhor possível.
DIA 3
A 4ª jornada correu a nosso favor. O Dantas
conseguiu desde cedo impor vantagem e aproveitar as casas fracas cedidas pelo
adversário, tendo terminado rapidamente (ao contrário de todos os jogos onde
era dos últimos a terminar) e, assim sendo conseguiu, ineditamente, tirar uma
fotografia à minha batalha, como podem ver mais abaixo. Já o meu jogo demorou
um bocado mas esteve sempre pendente para o meu lado. Consegui uma posição
estrutural típica de Scheveningen com algumas nuances particulares que o meu
adversário não entendeu da melhor maneira, tendo assim conquistado o ponto de maneira
natural.
Seguimos o
ritual do costume até à 5ª jornada onde, de novo, eramos favoritos com uma margem
similar à da ronda 4. O Dantas fez um jogo muito interessante onde obteve um
merecido ponto. Já o meu ficou marcado pelo facto de o meu adversário, apesar
de ser uma promessa U16 espanhola com 2117 de ELO, ter jogado muito rápido numa
abertura duvidosa onde ficou mal mas que, por incompetência minha, conseguiu
escapar a uma derrota rápida tendo depois acabado por perder à mesma após não
ter conseguido defender, devido ao pouco tempo de reflexão que despendia por
lance.
Foi um dia pleno de vitórias e íamos animados para
as próximas rondas.
DIA 4
À
semelhança da noite do dia 1 para o dia 2 foi mais uma noite em que tive sérias
dificuldades em adormecer. Aproveitei o tempo da madrugada que não conseguia
pregar olho para preparar alguma coisa. O meu adversário ia ser o Grande-Mestre
cubano-espanhol Orelvis Pérez Mitjans, cara familiar de um torneio no ano de
2013 em Barcelona onde consegui a minha primeira norma de Mestre Internacional.
Um adversário muito duro que joga francesa e siciliana dragão acelerada. Eu e o
Dantas fizemos a previsão que ele ia jogar a Francesa Winawer portanto preparei
para isso. Na partida ele jogou a linha principal, algo que não tinha preparado
porque nunca a tinha jogado dentro das dezenas de partidas que possuía na
francesa. Assim sendo fui apanhado desprevenido e tive de pensar desde muito
cedo. Lembrava-me da recomendação do Negi, no seu magnifíco livro da série de 1.e4
que após 7.Dg4 Dc7, 8.Bd3!? era um lance interessante ao invés do largamente
jogado 8.Dxg7. O meu adversário reagiu com 8…c4 9.Be2 0-0 e agora 10.f4!? é a
continuação sugerida (só consegui ver isto depois da partida). Tentei meter a
funcionar 10.Cf3 com ideias similares à linha que surge após 7.Dg4 0-0. A
posição parecia muitíssimo favorável e até mesmo o Zé Ribeiro pensou que eu
estava ganho. Creio que o meu adversário também pensou o mesmo dado a larga
quantidade de tempo que consumiu contra esta ideia. No entanto, quase que por
milagre, ele escapa e fica num final onde possui a iniciativa. Com o pouco
tempo que tinha não defendi da melhor maneira e acabei por perder. Já o nosso
mestre Dantas tinha as brancas num jogo difícil contra um Mestre FIDE espanhol.
Após uma abertura duvidosa por parte das negras as perspetivas eram risonhas
mas, na minha opinião, após um plano desnecessário com g4, a posição tornou-se
muito complicada para gerir com tão pouco tempo e, apesar de igualada, a
vitória acabou por sorrir ao adversário. Foi uma manhã complicada mas, como
verdadeiros lutadores que somos, queríamos que chegasse o próximo jogo para dar
a volta à situação.
Acabei
por jogar de negras contra um experiente espanhol de 2144 de ELO. Creio que fiz
um jogo de elevada qualidade estratégica tendo defendido o ataque dele de forma
muito precisa. No entanto, quando chegou a altura de colher os frutos, tive um
descuido tático gravíssimo que me deu a derrota imediata. Na posição do
diagrama qual a melhor continuação para as negras?
O
Dantas conseguiu impor a sua natural superioridade contra um jovem U16 de 1997
de ELO numa posição que não se vê todos os dias do ponto de vista de estrutura
de peões.
Assim
sendo, um péssimo dia para mim, onde qualquer aspiração de fazer um torneio
acima do meu nível estava desde já hipotecada, restando ganhar os dois jogos do
dia seguinte para cumprir os mínimos exigidos ao meu ELO. Já quanto ao Dantas a
prova estava a decorrer de boa forma e podia ser estelar caso o último dia
corresse bem.
Ainda
antes de irmos dormir acabamos por ir jantar perto do nosso hotel com os nossos
dois fiéis companheiros que decidiram dar um salto connosco até Albacete.
Tivemos um manjar estupendo num restaurante da cadeia estadunidense Foster’s
Hollywood, que para mim era desconhecida mas que no fim se tornou num local de
referência para comer bem (pena não haver em Portugal!).
DIA 5
A hora mudou e a ronda começava uma hora mais cedo
que o costume, ou seja, menos duas horas que o habitual para descansar. Já
cansados de uma longa prova e ainda com isto, mas com a mesma vontade de jogar,
fizemos frente a esta adversidade. O Carlos Dantas ia jogar contra um Mestre
FIDE espanhol com as peças brancas. O jogo foi bastante agudo tendo sacrificado
uma peça por três peões. As negras acabaram por prevalecer até certo ponto e
quando as coisas pareciam que iam acabar para o nosso mestre, ele saca de um
golpe tático genial que lhe permite segurar o empate. Já a minha partida contra
um espanhol de 2050 de ELO foi um final onde apesar do peão a menos tinha
alguma compensação na forma de desenvolvimento e par de bispos. Consegui
recuperar o peão à custa de perder o par de bispos e um dano estrutural menor
mas mantendo a microvantagem de desenvolvimento. O adversário acabou por não
aguentar este desequilíbrio numa posição igualada e nos apuros de tempo cometeu
um grave erro.
Na ronda da tarde calhou-me um Mestre FIDE que
oscila muito o ELO e naquele momento tinha 2157. Não sabia bem o que esperar da
partida, mas no final acabou por ser muito mais fácil que aquilo que pensava.
Segue uma breve análise à mesma em baixo.
FM
Silva, Luís (2319) – FM Tudela Corbala, Carlos (2157) [A99]
43 Torneio
Internacional de La Roda (9.27), 27.03.2016
1.d4
f5 2.Cf3 Cf6 3.c4 e6 [Surpreendeu-me. Estava à espera da
Leninegrado.]
[3...g6
É o que habitualmente ele joga.]
4.Cc3
Be7?! [4...Bb4 É uma das desvantagens da minha ordem
de lances. Mesmo assim tenho esta posição bem analisada e dá para puxar uma
vantagem para as brancas.; 4...d5?! 5.Bf4! É um erro típico das negras. As
brancas têm vantagem confortável após este lance. 5...c6 6.e3 Be7 7.Bd3 0–0
8.Dc2 Ce4 9.g4ƒ]
5.g3
0–0 6.Bg2 d6?! [Hoje em dia a Holandesa Clássica está
a sofrer bastante e ninguém a costuma jogar. Assim sendo foi uma agradável
surpresa ver o meu adversário a jogar isto.]
[6...d5
7.0–0 c6 Creio que o melhor era mesmo ter jogado uma Stonewall. O pequeno problema
é o bispo em e7 uma vez que, actualmente, joga-se maioritariamente com ele em
d6. No entanto, antigamente jogava-se assim e é uma alternativa aceitável às Stonewalls
com o bispo em d6.]
7.0–0
a5 8.b3 De8 9.Bb2 Dh5 10.Te1 g5? [Um lance que não
condiz em nada com a posição.]
[10...Ca6
11.e4 fxe4 12.Cxe4 Cxe4 13.Txe4 Bf6 14.De2± A posição é sofrível mas jogável
para as negras; 10...Ce4!? 11.Dc2 Cxc3 12.Bxc3 f4 13.e3 fxg3 14.fxg3 e5 15.De4
Cd7 16.Dd5+ Rh8 17.dxe5 c6 18.De6± As brancas estão muito bem.; 10...d5 11.Ce5
c6 12.e3± As brancas têm uma excelente versão de uma estrutura Stonewall.;
10...Cc6 11.d5!? (11.e4 fxe4 (11...e5) 12.Cxe4 Cxe4 13.Txe4 Bf6 A
posição continua a ser boa para as brancas mas não tão boa como na de 10...Ca6
porque aqui há a ameaça de a5–a4 obrigando a que as brancas percam um tempo a
impedir essa ideia (a2–a4 ou Tb1 são lances que cumprem essa tarefa).) 11...Cd8
12.Cb5 Ce8 13.dxe6 Cxe6 14.e4±]
11.e4!
g4? [11...Cxe4 12.Cxe4 fxe4 13.Txe4 Bf6 14.De2± É
uma versão horrível deste tipo de estrutura para as negras. Se normalmente com
o peão em g7 já é mau, com ele em g5 só pode ser pior. Dito tudo isto,
continuava a ser o melhor para ele.]
12.Cd2
Cc6 13.exf5!? [O importante é abrir a posição
rapidamente para aproveitar as fraquezas e falta de desenvolvimento negro.]
[13.Cd5!?
Uma hipótese interessante que me escapou. 13...exd5 14.exd5 Cb4 15.Txe7 f4 As
pretas têm algum contra-jogo mas deverá ser insuficiente.]
13...Cxd4?
[13...Dxf5 14.Cf1± O cavalo vai para a boa
casa de e3.]
14.fxe6
Df5 15.Cd5! Cxd5 16.Bxd4!+– [As pretas estão
perdidas]
16...Cb4
17.Be4 Dh5 18.f4! [Um lance belo de se fazer.]
18...c5
[18...gxf3 19.Bxf3 Qf5 20.Be4 Qh3 21.Nf3+– As
brancas além do material a mais têm ataque.]
19.Bc3
d5? [Termina ainda mais cedo.]
20.cxd5
[Abandonou pois: 20… Cxd5 21.Bxd5 Dxd5 22.Dxg4+]
Quanto ao
Carlos Dantas, ele ia jogar contra o nosso amigo e Mestre FIDE António Pereira
dos Santos. Um jogo muito complicado dado a valência do adversário. No entanto,
como a vitória significava quase certamente o primeiro prémio no escalão
sub-2200, o guerreiro foi à luta, e que luta foi! Segue abaixo a minha análise
à partida referida e um momento fotográfico que captei.
FM
Santos, António Pereira dos (2267) – NM Dantas, Carlos (2136) [A87]
La Roda
(9.32), 27.03.2016
1.d4 f5 [Fiel
ao seu xadrez, o mestre Carlos Dantas escolhe a Holandesa, uma abertura que o
acompanha há alguns anos.]
2.g3 [Também
fiel à sua maneira de ser, o nosso selecionador nacional escolhe a linha
principal. Acredito que contra a Holandesa as linhas secundárias das brancas
são bastante interessantes. Seguem algumas delas:]
[2.Bg5!?
h6 (2...g6 3.Cc3 d5 (3...Bg7 4.h4!?) 4.e3 Bg7 5.h4!?) 3.Bf4!? (3.Bh4 g5 4.e4 Th7!?) 3...Cf6 4.e3; 2.Cc3!? d5 (2...Cf6 3.Bg5
d5 4.Bxf6) 3.Bf4!?]
2...Cf6
3.Bg2 g6 [Leninegrado! Também expectável. Uma abertura
muito interessante para ser jogada. Ainda por cima com os crónicos apuros de
tempo do Mestre FIDE António Pereira dos Santos torna-a uma melhor escolha dada
a complexidade das posições resultantes.]
4.Cf3 Bg7
5.0–0 0–0 6.b3 [De novo a linha principal.]
6...d6
7.Bb2 c6! 8.c4 Dc7! [Na minha opinião esta é a maneira
mais correta para as negras abordarem a posição, mesmo que de longe não seja a
mais jogada. Tentei adoptar este esquema de brancas mas, após ter que analisar
o que fazer contra esta maneira das negras jogarem, decidi desistir. Além
disso, o pedigree desta variante é elevadíssimo uma vez que vários jogadores de
top (de realçar o nome Nakamura) decidiram jogar assim contra 6.b3.]
9.Cbd2
Te8! [Continuando com a ideia.]
10.Dc2
Ca6! [Desenvolvendo com ameaça.]
11.a3 [11.e4
Esta é a alternativa. 11...fxe4
a) 11...e5?!
12.c5! Cxe4 (12...dxc5 13.dxe5 Cg4 14.Tad1ƒ)
13.Cxe4 fxe4 14.cxd6 Dxd6 15.Cxe5 Cb4 16.De2
Bf5 17.Bxe4 Bxe4 18.Dxe4 Tad8 19.f4;
b)
11...Cb4; 12.Cxe4 Bf5 13.Cxf6+ exf6 14.Dd2
Be4=; 11.c5 dxc5 12.dxc5 e5 13.e4 De7 14.Tac1 fxe4 15.Cg5 e3 16.fxe3 Cd5„]
11...e5= [As
negras igualaram.]
12.c5! [Único
lance que mantém o jogo equilibrado.]
12...e4!
13.cxd6 Dxd6 14.Ce5 Be6 [A posição das negras é muito
saudável. Têm excelente domínio central das casas brancas. A partir daqui vamos
assistir a uma grande luta estratégica entre ambos os jogadores.]
15.f3!? [Um
lance interessante. As brancas tentam expor as possíveis fragilidades causadas
pela estrutura espaçosa das negras e disputar algum controlo das casas brancas.]
15...exf3
16.Bxf3?! [Considero duvidoso capturar com peça em f3. É
praticamente impossível jogar e2–e4 e as casas d5–e4 são agora um paraíso para
as negras. Ou seja, desde que as negras lutem por elas e impeçam as brancas de
abrir a posição, terão boas chances de vantagem.]
[16.exf3
Na minha ótica o lance mais natural para dar seguimento a 15.f3. 16...f4 As
negras têm excelente posição. As brancas vão lutar nas fraquezas da coluna
"e" enquanto as negras vão fixar o seu domínio central. Por exemplo.
17.Cdc4 Df8 18.Tfe1 Cd5 19.Te2 Tad8 20.Tae1 Bf5 21.Dc1 Cac7 As peças pretas
estão muito bem colocadas e podem começar a pensar em jogar c5 abrindo a
posição quando lhes for favorável.]
16...Bd5! [Seguindo
a estratégia restritiva central.]
17.Cdc4
De6 [A casa ideal para a dama. Na coluna
"e" não enfrenta qualquer ameaça e ainda coloca pressão indireta no
peão b3.]
18.Tae1
Tac8?! [Não compromete mas está ligado a um plano
erróneo, no meu ponto de vista (pelo menos para já).]
[18...Tad8
19.Cd3 De7 20.Cce5 Cc7³
Eu primeiro colocava as minhas peças todas no centro e quando
tivessem todas melhoradas é que pensaria em abrir o centro.]
19.b4?! [Enfraquece
ainda mais a já débil construção nas casas brancas. O plano das brancas deveria
ter passado por colocar um cavalo em d3 ameaçando Cf4, e depois colocar o de c4
em e5, ou seja, colocando os dois cavalos em excelentes posições.]
[19.Cd3
De7 20.Cce5 Cc7 21.Cc5 Ce6 22.e4 Cxe4 23.Cxe4 Bxe5 24.dxe5 Bxe4 25.Bxe4 fxe4
26.Txe4 Tcd8³
A posição das negras é favorável mas as brancas têm contrajogo
latente nas casas negras a qualquer momento de descuido por parte do Dantas.]
19...b6? [Continua
a insistir na ideia. Melhor teria sido voltar ao plano de controlo das casas
brancas com a condição de que agora as brancas ainda estão piores nesse
complexo de cores.]
[19...Cc7!
20.Ca5 (20.Cd3?? Já passa a ser uma lance impossível, logo a construção
ideal para os cavalos brancos não poderá ser conseguida. 20...Bxc4–+) 20...Tb8³ E
agora é difícil continuar de brancas.]
20.Ce3! [Excelente
lance que aproveita o erro das negras.]
20...Cb8 [Levando
o cavalo para a melhor casa em d7 onde entrará em disputa com o cavalo e5 e
apoiará a ideia do c6–c5.]
21.Dd3 [21.Cxd5
cxd5 22.Da4 a6 23.b5= Creio que teria sido uma boa maneira de jogar para as
brancas tentando obter contrajogo o mais rapidamente possível antes que as
negras tomem de novo o controlo das operações.]
21...Tc7?!
[Insistindo na rutura c6–c5.]
[21...Cbd7
22.Cxd5 cxd5 23.Tc1 Ce4³
E não é claro como as brancas vão resolver o problema da casa e5.]
22.Cg2 [22.g4!ƒ Aproveitando
a descoordenação das peças negras causadas pela tentativa bruta de jogar c6–c5.
Com a futura captura do bispo em d5 as negras terão problemas estruturais no
complexo de casas brancas da ala de rei.]
22...Cbd7 23.Cf4 Dd6 24.Tc1 Tec8? [24...Ce4
25.Cxd5 Dxd5 26.Tfd1= O jogo está de novo igualado; 24...Bh6!? 25.Cxd5 Cxd5=
Era uma maneira interessante de forçar os acontecimentos centrais e dar
estabilidade.]
25.Tc2? [25.Cxd5!
cxd5 (25...Cxd5? 26.e4± As
brancas abrem a posição e a situação das negras é agora muito precária. Perdem
qualquer tipo de controlo central e sem o bispo de casas brancas vai ser
difícil de parar a ofensiva nas casas dessa cor.) 26.Da6 De novo
atacando o complexo de casas fracas brancas (curioso que no início do meio jogo
eram as negras que dominavam estas casas! - este tipo de reviravolta é um tema
estratégico muito recorrente: quando esse controlo é feito por peças e peões à
distância, caso se perca, o lado que detinha inferioridade nessas casas vai
conseguir efetuar ruturas que lhes dará presença nas mesmas e geralmente com
maior efeito.]
25...Ce4! [Estabilizando!]
26.Cc4 [26.Tfc1
Bh6 27.e3 Bxf4 28.exf4 Cef6 29.Cc4 De6 30.Bxd5 Cxd5=]
26...De7
27.Ce3 Cdf6 28.Tfc1? [28.Cfxd5 Cxd5 29.Bg2 De6 30.Tfc1 Bh6
31.Cxd5 Dxd5 32.e3 Te7=]
28...Bh6!³
[Tarde mas, com as imprecisões das brancas,
ainda a tempo! As pretas perceberam o conceito da posição e estão de novo por
cima.]
29.b5 Bxf4
30.gxf4 Dd6! [A posição das brancas tem várias
fraquezas estruturais para ser boa.]
31.bxc6
Txc6? [31...Dxf4 32.Cxd5 Cxd5 33.Bxe4 fxe4 34.Dg3
Dxg3+ 35.hxg3 Rf7µ
Denotaria o domínio das pretas. O bispo de b2 é impotente.]
32.Cxd5
Dxd5 33.Txc6 Txc6 34.Txc6 Dxc6³ [O nosso
mestre conseguiu uma boa posição no final destas trocas todas. Até aqui um jogo
muito complexo com vários erros de parte a parte numa partida muito intensa
estrategicamente. Agora chega outra fase do jogo onde se nota que o ascendente
claramente só pode pertencer às negras.]
35.Rg2
Dd5?! [35...Rf7
36.e3 b5 As negras podiam vincar todo o controlo que possuem nas casas brancas
em vez de ceder o domínio da única coluna aberta.]
36.Dc2!
Dd7 37.d5? [Uma escolha interessante do ponto de vista
estético uma vez que dá mais visão aos bispos. No entanto, objetivamente, é
errada com defesa precisa das negras.]
[37.Rg1
Rf7³]
37...Cxd5µ
38.Bxe4?? [Um blunder nos apuros de tempo mas a posição
já era muito difícil.]
[38.Db3
De6 As negras defendem tudo.]
38...Ce3+–+
[O coroar de uma excelente prova por parte do
Mestre Nacional Carlos Dantas. Uma partida realmente interessante pela luta
estratégica que representou.]
0–1
No fim desta partida, o Dantas estava bastante empolgado e só
queria ir arejar. Um jogo de nervos e que significava um regresso às excelentes
provas! Melhor ficou quando se soube que ele tinha ganho o prémio sub-2200! Era
um homem muito feliz como se pode ver.
O grande vencedor da prova foi o grande-mestre arménio Karen
Grigoryan com 7,5 pontos em 9. O restante pódio foi composto pelos grandes-mestres Julio Granda e Manuel
Candelario com 7 pontos.
E aqui fica o registo da entrega do prémio ao nosso mestre.
No fim de
tudo, foi uma experiência positiva marcada pelo intenso xadrez que vivemos no
dia-a-dia e pela partilha e amizade que foram marca vincada nessa semana.
Era
impossível terminar esta crónica sem agradecer ao Professor Mário Oliveira e à Associação Académica da Didáxis , bem como, à Cooperativa de Ensino Didáxis pelo apoio prestado pois, sem ele, esta
nossa ida ao torneio não se teria concretizado.
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